“… E
então a ofereci uma carona após uma longa noite de aulas e mais
aulas, ela meio tímida aceitou e me perguntou qual era a minha
segunda intenção em relação ao convite feito? Eu apenas sorri e
respondi: Gostaria muito de ter a companhia de uma pessoa tão bela
que pudesse me escutar e discordar de mim na maioria dos casos, e não
conheço mais ninguém com esse perfil além de você.
Então
ao entrarmos no carro ela sorriu de canto ainda refletindo sobre a
minha resposta, suponho eu, então exclamei: Atenção senhores
passageiros, apertem os cintos e lá vamos nós!, o som da risada
dela ao me ouvir exclamar isso foi uma das músicas mais belas que já
tive o prazer de escutar em minha longa jornada nesta vida.
-
Tudo bem? Podemos ir? - Disse ela.
-
Depois de passar vergonha dizendo aquela bobagem de “… e lá
vamos nós!” acho que podemos. - Respondi.
-
Então vamos, piloto! - Ela ironizou.
Naquele
momento eu já tinha quase certeza de ter encontrado a mulher da
minha vida, não me lembro de sorrir tantas vezes numa única só
hora como estava acontecendo ao lado dela. E sobre sorrir, já achei
que tinha até enferrujado, mas simplesmente consegui dar o melhor
deles no dia que a vi pela primeira vez e ela me chamou de
“Wolwerine, o lobo solitário”.
Acho
que pulei a parte de quando a conheci, então serei breve. Estudamos
na mesma faculdade, eu no 4º período, ela no 1º. Ela era a caloura
destaque, a mais linda que eu já tinha visto desde que entrei
naquele lugar. Eu mal conseguia olhar em sua direção, primeiro
porque já não estava muito afim de e apaixonar novamente e segundo
porque: Quem era eu na fila do pão? Enfim, um dia eu descobri que
ela era fã de cerveja, tanto quanto eu, e descobri isso encontrando
ela no mesmo bar que eu frequentava porque era o mais próximo do
Campus, e então conversa vai e conversa pronto, ela me chamou de
“Wolverine, o lobo solitário”, juro que na hora eu quis sentar e
chorar de emoção porque 1) Amo o Wolverine, 2) Ela disse algo que
eu jamais imaginei escutar de alguém que tinha acabado de tomar uma
cerveja e mal me conhecia, 3) Soou tão lindo saindo da boca dela que
as duas opções acima já não faziam diferença, e eu só sorri, um
largo e lindo sorriso.
-
Então, já tem a companhia que queria e já estou te escutando. -
Disse ela assim que saí com o carro.
-
Certeza que quer me ouvir enquanto eu dirijo? - Perguntei.
-
Você manda bem no volante, Wolverine. - Disse ela num tom irônico.
-
Então vamos lá, Querida. - Ironizei.
-
Então comece, não temos tanto tempo assim, são só 40 minutos e
isso se você não correr mais do que deve, pé de chumbo! - Exclamou
ela.
-
Tá bom, tá bom. Vou começar! - Retruquei.
Então
depois de uma pequena pausa para ultrapassar um caminhão com uma
carga bem pesada, eu comecei a “filosofar”. Como ela gostava de
dizer.
-
Sabe, acho que na estrada, dentro de um carro, tudo parece ter um
pouco mais de sentido… - Ela me olhou com cara de não entender
nada do que eu tava falando, então eu continuei – Sério, quando
estou em casa no meu quarto pensando na vida, tudo parece tão
confuso e tão obscuro que a primeira coisa que eu quero é não
estar ali, mas quando estou no carro, nada é igual, eu posso fazer o
mesmo caminho várias vezes durante um dia ou durante vários dias,
que nunca vai ser a mesma coisa, pode até ser a mesma estrada, mas
os acontecimentos não são iguais. Por exemplo: Eu estava triste a
dois dias atrás e o que eu fiz? Saí de casa, peguei o carro e
dirigi pelas ruas da cidade sem ter muito pra onde ir, só queria
ficar rodando aquelas ruas e nada mais, então de repente tudo que eu
estava imaginando há horas atrás que me deixara triste, de certa
forma já não me importava mais, é como se o fato de está
dirigindo por aí procurando algo que eu não fazia a menor ideia do
que fosse, me distraísse tanto a ponto de não fazer diferença meu
estado emocional.
-
Lobo solitário, esta sua filosofia de boteco tá me deixando mais
confusa do que qualquer outra coisa e eu já nem sei bem do que
estamos falando aqui, e eu discordo totalmente disso que de dentro do
carro numa estrada a vida parece ter mais sentido, acho que é a
distração que faz todo sentido nessa sua inútil tentativa de me
fazer concordar com você em alguma coisa – Ela respirou fundo e
continuou – Wolverine, continue, estava achando até interessante
algumas partes, como por exemplo em que ruas esteve – Ela riu do
que ela mesmo tinha dito.
-
Você é muito babaca! - Exclamei – Mas eu vou continuar meu bom
argumento até você concordar comigo.
Depois
de uma pausa para pensar no que falar, finalmente estávamos no
trevo, e tivemos que parar num posto fiscal para fiscalizações de
rotina, o guarda muito simpático me pediu a habilitação e os
documentos do veículo, e eu os dei com um sorriso de canto a canto,
tentando parecer o mais simpático possível, e então depois dele
conferir e conferir novamente, fomos liberados e continuamos nossa
estrada.
-
Bom – Disse eu finalmente – Como eu ia dizendo, depois de toda
distração que aquelas voltas me causavam, meu estado emocional já
não era mais o centro das atenções, e eu concordo com você que a
distração pode ser o centro de tudo agora, mas ela só aconteceu
porque eu me propus a sair por aí para me distrair. E do carro, tudo
fazia mais sentido. Como agora, por exemplo, se eu estivesse em casa
conversando com você…
-
Seria super bom também, até porque seria comigo. - Disse ela num
tom sarcástico.
-
Como eu ia dizendo, novamente, se eu estivesse em casa com você,
poderia até ser uma conversa agradável, mas o clima seria outro,
nós não teríamos distração como por exemplo a parada no posto
fiscal que nos rendeu belos sorrisos pelo fato de eu ter tentado
parecer simpático.
-
Está quase me convencendo, Wolverine. - Disse ela em um tom quase
convincente.
-
Então, convencida, digamos que a gente esteja mal, e resolva sair
com amigos pra uma festa qualquer ou até mesmo no boteco da esquina,
situações inusitadas aconteceriam, distrações também, mas seria
só aquilo lá e o que talvez poderia ou não ter acontecido, mas se
resolvesse sair com seus amigos estrada afora dentro de um carro, o
som seria o que vocês quisessem que fossem, paradas na estrada
aconteceriam, nem que seja pra abastecer num posto qualquer, você
teria um milhão de possibilidades de começar e terminar a noite. E
até que o início e a conclusão da mesma aconteça, tudo seria
planejado dentro de um carro, num estrada por aí afora. - Depois de
dizer isso, eu simplesmente tentei fitar ela com o canto dos olhos.
-
Cara, dessa vez você realmente me convenceu, mas ainda preciso
discordar de você senão essa viagem, dentro deste carro, não teria
a menor graça e nenhuma distração que nos fizesse esquecer as
merdas que aconteceram em ambas as vidas nas últimas semanas. Então
discordo de você… É, acho que não discordo de nada não, pela
primeira vez você usou bons argumentos para me convencer a pensar
como você em relação a esta babaca filosofia de que de dentro de
um carro numa estrada qualquer a vida tem mais sentido. - Disse ela
parecendo surpresa.
Depois
de colocar Cazuza pra tocar no carro, numa altura razoavelmente alta,
percebi que a Dona Encrenca tinha cochilado, e segui a estrada
pensando em como faria ela pegar carona mais vezes comigo, e ali
naquele instante eu tive a certeza de que ela era mesmo a mulher da
minha vida, porquê 1) Eu não conseguia não fitar ela com o canto
do olho toda vez que podia, 2) Eu já quase não acelerava o carro,
mal atingia a velocidade permitida, só pro trajeto parecer mais
demorado e 3) Ela conseguia me fazer pensar em coisas que antes eu
era incapaz sequer de notar que existiam, ela dava um sentido a minha
vida.
-
Chegamos, Querida. - Disse eu enquanto encostava o carro perto da
calçada da casa dela.
-
Nossa, Wolverine, você me deixou dormir um bocado, que horas são
isso? - Ela disse meio sonolenta.
-
Hora de neném dormir. - Respondi num tom de brincadeira.
-
Vai se ferrar! - Ela exclamou e em seguida me deu um beijo no canto
da boca.
-
Na próxima dê o beijo mais pro lado. Apenas uma dica! - Disse.
-
Quem sabe… - Disse ela enquanto sorria.
Então
finalmente pude ir pra casa, depois de guardar o carro e olhar ao
redor, resolvi que tudo faria mais sentido dentro do carro dirigindo
por aí, então sem sossego, peguei o carro na garagem e dirigi pelas
ruas da cidade, o que já estava virando um hábito nas noites em que
tinha insônia, e então passando na rua perto da casa Dela, ela
estava em pé na calçada, olhando na direção do carro com um
sorriso no rosto. Então parei o carro ao seu lado e abri o vidro
para falar com ela, mas ela foi mais rápida.
-
Você tem razão, Wolverine, de dentro do carro, dirigindo por aí,
tudo faz mais sentido, agora me faz um favor? - Perguntou ela.
-
Qual? - Perguntei surpreso.
-
Me diz de uma vez que me ama, porque aí sim eu concordo com você
que de dentro do carro tudo faz, com toda certeza, mais sentido.
-
Eu te amo!
-
Eu também te amo, Querido! - Disse ela entre um beijo e outro - Mas
sabe o que é mais complicado?
-
O que? - Perguntei.
-
Vou ter que mudar seu apelido, porque não é mais um Lobo solitário,
e mesmo que não tenha me perguntado como eu sabia que passaria de
carro por esta rua, eu apenas sabia que de alguma forma que você ia
sair de carro nessa noite, porque você é muito previsível, e por
causa disso vou te chamar de "Novela das nove". - Ela disse
num tom de quem parecia ter acabado de fazer uma grande descoberta.
-
Pode me chamar do que quiser, contanto que não me deixe nunca mais!
- Disse eu meio surpreso comigo mesmo.
-
Não vou te deixar, Novela das nove, até porque eu gosto de
discordar de você e disse que me casaria com alguém que eu
discordasse na maior parte do tempo. - Disse ela num tom de
brincadeira.
-
Felizes para sempre? - Disse eu em meio a sorrisos bobos.
-
Como uma novela das nove. Felizes para sempre. - Ela respondeu-
Felizes para sempre!